quarta-feira, 7 de março de 2012

ESTRANHAMENTO

Do Repúdio à Curiosidade


Procurando por uma forma de aplicar o conceito “estranhamento” nas relações estabelecidas entre as obras artísticas - especificamente dentro da área visual – deparei-me com o pensamento de Viktor Chklovski (1917), que utilizou a palavra estranhamento (ostraniene) como um neologismo, relacionando-a ao efeito de distanciamento do modo comum e previsível, que pode apenas ser proporcionado pela obra de arte através da intenção do artista/autor.

A finalidade da arte é dar uma sensação do objeto como visão e não como reconhecimento; o processo da arte é o processo de singularizarão [ostranenie] dos objetos e o processo que consiste em obscurecer a forma, em aumentar a dificuldade e a duração da percepção. O ato de percepção em arte é um fim em si e deve ser prolongado; a arte é um meio de sentir o devir do objeto, aquilo que já se “tornou” não interessa mais a arte.”(CHKLOVSKY, 1971)

Quando Claude Monet expôs a sua “A Estação da Saint Lazare” de 1877, apresentando pela primeira vez sua impressão sobre o panorama e o movimento da estação, tirando a pintura do “carcere” do atelier e dos estúdios e rompendo com uma tradição neoclássica estabelecida pela academia, apresentou ao espectador uma nova forma de fruição contrária a já estabelecida, levando-o a pensar e sentir uma nova percepção de um local já conhecido. O mesmo acontece na obra de Etienne-Jules Marey, que experimentando uma nova tecnologia recém-criada – a fotografia – tentou aumentar tanto a dificuldade quanto a duração da percepção, tentando dividir e congelar uma sequencia linear de tempo em seu “Estudo de Corrida” de 1886, já antevia a criação de uma nova forma de apresentar divisão do tempo continuo de seu movimento e sua reorganização e apresentação por meio de planos e quadros, ou seja o cinema.

Claude Monet, " A Estação de Saint Lazare", 1877

 Etienne-Jules Marey, " Estudo de Corrida", 1886

O ato de “estranhar” e sua aplicação na construção de um modelo estético, nos leva também a duas reações naturais: o repúdio e a curiosidade. Estas reações acontecem quando o espectador deixa sua zona de conforto e sensações pré-estabelecidas – que fazem parte de nossa universalidade, nossa visão coletiva pré-concebida – e cai na busca por significações, a partir das quais irá construir o grau de singularidade da obra em questão.

Podemos experimentar essa sensação quanto nos deparamos com as obras de Lygia Clark e Mira Schendel, tanto a primeira com sua obra “Bicho” de 1960, quanto a segunda com seu “Trenzinho” de 1966, nos levam em uma ciranda desenfreada pela busca de significados que criem um diálogo e relações entre os titulos e as formas que nos são apresentadas, tirando-nos de um pensamento concreto e real, para nos levar a um experiencia lúdica única.

Lygia Clark, "Bicho", 1960

Mira Schendel, " Trenzinho", 1966

O repúdio que sentimos ao ver pela primeira vez as obras é gerado pelo nosso preconceito em relação a forma que “um bicho” ou “um trem” deve ter, quando nosso preconceito é deixado de lado e observamos com “outros olhos” as obras uma profunda curiosidade nos preenche, fazendo-nos procurar e atribuir novos significados e significações ao que nos é apresentado.


segunda-feira, 5 de março de 2012

FRAGMENTAÇÃO / 4 Obras - 4 Relações



Podemos definir a fragmentação como o ato de decompor, separar em partes  um todo, que nos permite uma analise de seu funcionamento – isto é, sua   organização visual, de como se estrutura seu espaço e seu tempo e de qual forma comunica possibilidades de sentido para quem o observa.


PABLO PICASSO, Copo e Garrafa de Suze, 1912

Com Pablo Picasso e o “Copo e Garrafa de Suze” a fragmentação apresenta-se nesta obra por meio de sua técnica -  a colagem – onde o artista usou da dispersão de materiais e sua reestruturação formal, além da relação inter-semiótica dos papéis/materiais utilizados e a sua conotação pessoal, o mesmo acontece na fotomontagem de Hausmann, “ABCD – Retrato do Artista”.


  RAOUL HAUSMANN, ABCD-Retrato do Artista, 1923


Os russos pós-revolução nos mostram em seus experimentalismos visuais – tanto no cinema quanto no design – uma fragmentação dinâmica e com um nível de ordenação e unidade estética impressionantes – talvez reflexo da revolução que inaugurava um nova organização politico social, onde trocaram a égide das diferenças de classes imposta pelo regime czarista pelo “igualitarismo” comunista – em o “Um Homem com uma Câmera”, tanto o trabalho do diretor Dziga Vertov, quanto o projeto gráfico dos irmãos Stenberg para o cartaz do filme são de uma maestria tremenda. A seleção e o recorte dos planos/fragmentos (filme e elementos visuais gráficos) e sua montagem e encadeamento temporal utilizam-se quase que unicamente do principio plástico da colagem criando uma nova unidade estética a falta de hierarquia dos elementos utilizados.



 GEORGI E WLADIMIR STENBERG, Chelovek s kino-apparatom, 1929


            Em  o “Cabinete do Doutor Caligari” com a direção de Robert Wiene e roteiro de Hans Janowitz e Carl Mayer, experimentamos um novo tipo de fragmentação que vai além da visual, a fragmentação da psique – que refletia claramente o estado do povo alemão do pós Primeira Guerra -  nesta obra seminal e extremamente influente até os dias atuais ( podemos encontrar traços de sua estética em algumas obras de Tim Burton por exemplo em The Nightmare Before Christmas), o protagonista Francis nos leva a uma ciranda de eventos e situações que culminam em um final inesperado.


  Das Cabinet des Dr. Caligari, 1920