segunda-feira, 26 de setembro de 2011

LES CHATS - Charles Baudelaire

Les amoureux fervents et les savants austères
Aiment également, dans leur mûre saison,
Les chats puissants et doux, orgueil de la maison,
Qui comme eux sont frileux et comme eux sédentaires.


Amis de la science et de la volupté
Ils cherchent le silence et l'horreur des ténèbres;
L'Erèbe les eût pris pour ses coursiers funèbres,
S'ils pouvaient au servage incliner leur fierté.


Ils prennent en songeant les nobles attitudes
Des grands sphinx allongés au fond des solitudes,
Qui semblent s'endormir dans un rêve sans fin;


Leurs reins féconds sont pleins d'étincelles magiques,
Et des parcelles d'or, ainsi qu'un sable fin,
Etoilent vaguement leurs prunelles mystiques.







 Alexandre da Conceição - 2011 - Manipulação Digital de Imagens

O ROMPIMENTO COM A TRADIÇÃO


 DISTORÇÃO, SINUOSIDADE, MONTAGEM E ABSTRAÇÃO

A segunda metade século XIX foi um divisor de águas na história da arte européia. Foi uma época de um rompimento feroz e abrupto com a tradição das academias - que já alcançavam cinco séculos de imposição dogmática, tanto estética quanto filosófica – tradição esta representada por um estilo de forte inspiração neoclássica, esse rompimento fez com que surgisse a Arte Moderna. Esta apresentava uma diversidade de movimentos, idéias e ideais - os denominados ”ismos” - que tinham como principal característica o repúdio à representação naturalista clássica e seu ideal de beleza universal.

Devemos destacar neste processo o papel importantíssimo dos chamados Impressionistas que iniciaram a rejeição às idéias pregadas pelas academias, que não mais interessados em produzir uma arte de inspiração renascentista com cenas rígidas, frias e estáticas sobre os temas que há séculos vinham sendo impostos - uma arte de caráter imitativo – resolveram experimentar, não só novas paletas, mas também novos temas e formas de representação.

Ao romperem com a arte tradicional, os artistas que vieram a seguir (a grande maioria interessados na arte produzida por povos ditos “primitivos”), começaram a questionar a idéia única de beleza em voga tanto nas artes e quanto no gosto do público. E esse questionamento levou a pergunta primordial: Todos os objetos (artísticos e utilitários) produzidos pelas culturas humanas através de sua história poderiam corresponder e incorporar normas universais de beleza?   E desde então a definição de um sistema ou método que resulte na representação, de “uma beleza pura” ou de “uma beleza universal” - que possa ser válida para todas as culturas e ser também atemporal – foi abandonado e a arte e o fazer artístico foi cada vez mais se aproximando dos procedimentos lúdicos, criativos e imaginativos

Esse rompimento com a tradição e o inicio de experimentações levou os artistas a procurarem novos caminhos e subterfúgios para a criação, entre eles quatro conceitos – distorção, sinuosidade, montagem e abstração - que foram explorados e aplicados nesse novo fazer artístico.

Distorção, significa “ato ou resultante de distorcer, efeito que distancia do original, da realidade”, pode significar também diferenciar algo já conhecido, utilizando determinadas idéias e formas. Podemos entender essa diferença como expressão, ou seja, o modo de ver e produzir de um individuo acerca de um mundo de experiências e conhecimentos coletivos e compartilhados.

O  público não acostumado com a distorção dos cânones então vigentes, teve a falsa impressão de  falta de habilidade ou treinamento por parte do artista.

“os principiantes [...] querem admirar a perícia do artista em representar as coisas tal como eles a vêem. Gostam mais de pinturas que ‘parecem reais’. [...] A paciência e a habilidade que contribuem para a reprodução fiel do mundo visível são, por certo, dignas de admiração. [...] Mas o que aborrece as pessoas que gostam de quadros parecendo ‘reais’ é o fato de considerarem certas obras incorretamente desenhadas, sobretudo quando pertencem a um período mais moderno em que o artista ‘tem obrigação de não cometer semelhantes desvios’. De fato, não há mistério nenhum a respeito dessas distorções da natureza, sobre as quais ainda ouvimos queixas e protestos envolvendo a arte moderna. Quem lê histórias em quadrinhos sabe tudo em relação a isso. Sabe que, às vezes, é certo  desenhar coisas de um modo diferente do que elas se apresentam aos nossos olhos, modificá-las ou distorcê-las num ou noutro sentido. [...] Se um artista moderno ‘desenha’ alguma coisa à sua maneira, está sujeito que o considerem incapaz de fazer coisa melhor. A questão é que estamos armados de preconceitos em relação ao que deva ser ‘Arte’ [...]. “ (GOMBRICH, 1999)

E dessa forma é certo dizer que “a distorção expressa uma visão subjetiva do mundo e,  assim, nos introduz em atmosferas estranhas, impregnadas de afeto, emoções ou temores.”[i]  Além da distância da realidade – objetiva e naturalista - criada pela distorção, podemos  observar também um novo questionamento acerca das relações entre o figura e o fundo, o abandono do peso  – tanto metafórico quanto material que a tradição acadêmica punha sobre a obra e o artista – e de sua aparente inércia, abriu precedentes para a utilização de formas orgânicas e linhas sinuosas que podemos observar principalmente na Art Nouveau  que  se utilizou  desse subterfúgio  a  exaustão.

Essa sinuosidade nos remete também a flexibilidade de limites ( mistura /fusão ) e sua relação dinâmica dentro da obra, e para além, para o quotidiano dessa nova época com seus trens , carros e o corre-corre da vida do homem comum. O dinamismo e o movimento também nos são apresentados em uma nova invenção: o cinema.

“O cinema opera por meio de fotogramas, isto é, de cortes imóveis, vinte e quatro imagens/segundo (ou dezoito no início). Mas o que ele nos oferece, como foi muitas vezes constatado, não é o fotograma, mas uma imagem media a qual o movimento não se acrescenta, não se adiciona: ao contrário, o movimento pertence a imagem-média enquanto dado imediato. Objetar-se-á que o mesmo acontece no caso da percepção natural. Mas aí a ilusão é corrigida antes da percepção pelas condições que a tornam possível no sujeito. [...] Em suma, o cinema oferece uma imagem a qual acrescentaria movimento, ele nos oferece imediatamente uma imagem-movimento. Oferece-nos um corte, mas um corte móvel e não um corte imóvel + movimento abstrato.” ( DELEUZE, 1983)

            O cinema – aqui representado por Vertov e Einsenstein - em conjunto com a colagem cubista – a terceira fase do cubismo também chamada de Cubismo Sintético – encontravam nos sistemas e práticas de montagem seus fundamentos de pesquisa visual. As colagens de Picasso e Braque, por causa de sua espacialidade, são de suma importância, pois são diretamente responsáveis pela dissolução entre figura e fundo e entre objeto e espaço, que logo abriu um caminho para a abstração na pintura e na escultura, um novo vocabulário e uma nova sintaxe para a arquitetura, o design e a moda[ii] que podem ser observados do construtivismo  à  Bauhaus.

Podemos dizer então que o emprego da montagem permitiu uma passagem histórica entre dois modos de articulação da forma na arte: de um cuja coerência se baseava num referente externo e reconhecível (como seria a garrafa na obra cubista),  para outro de coerência estrutural e auto-referente, isto é, baseada nos próprios procedimentos e materiais da obra (como as propriedades dos diferentes metais na obra construtivista).[iii]


A abstração pode ser vista como conseqüência da práxis de vários artistas modernos, razão pela qual a própria idéia de arte moderna se mistura com a de arte abstrata.[iv]  Vista e pensada como o oposto da realidade objetiva e natural, podemos observar que todas as formas abstratas são definidas a partir de relações com formas dessa realidade, e que estas resultam de uma produção estética subjetiva exteriorizada por um individuo a partir de suas experiências.


Uma obra de arte consiste em dois elementos, o interior e o exterior. O interior é a emoção na alma do artista; essa emoção tem a capacidade de evocar uma emoção semelhante no observador. Estando ligada ao corpo, a alma é afetada através dos sentidos – o sensório. Assim, o sensório é a ponte, ou seja, a relação física entre o imaterial (que é a emoção do artista) e o material, o que resulta numa obra de arte. E, por outro lado, o que é sentido é a ponte do material (o artista e sua obra) para o imaterial (a emoção na alma do observador) [...] O elemento interno, isto é, a emoção deve existir; caso contrário, a obra de arte é uma impostura. O elemento interno determina a forma da obra de arte.(KANDINSKY apud READ,1974)


             Em geral, ela pode ser definida pela pesquisa por meios específicos de linguagens, nos quais os artistas, deixando de lado o discurso descritivo, voltaram-se então para a potencialização da plasticidade dos materiais, das técnicas e dos recursos formais e cromáticos. Uma das direções mais importantes tomadas nessas pesquisas foi a depuração visual progressiva, que visava a busca de elementos formais e cromáticos essenciais, que podemos encontrar nas obras de Malevitch e Mondrian – principais representantes do Suprematismo e do Neoplasticismo respectivamente - este último chegou a um nível de depuração tão extremo que segue sendo referência em projetos de design de produtos até os dias de hoje.




REFERÊNCIAS:

DELEUZE. Gilles, A Imagem-Movimento. Brasilia : Editora Brasiliense, 1983

GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC Editora SA, 1999.

READ, Herbert. História da Pintura Moderna. São Paulo: Circulo do Livro, 1974.




[i] Curso Especialização em Artes Visuais – Cultura & Criação - Unidade 3 - Síntese 5 - Distorção
[ii] Curso Especialização em Artes Visuais – Cultura & Criação - Unidade 4 - Síntese 7 - Montagem
[iii] Curso Especialização em Artes Visuais – Cultura & Criação - Unidade 4 - Síntese 7 - Montagem
[iv] Curso Especialização em Artes Visuais – Cultura & Criação - Unidade 4 - Síntese 8 - Abstração